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A Fraternidade

Como diz a música, cada um de nós compõe a sua história. Nossas experiências culturais, emocionais, sociais, políticas, religiosas e de todas as naturezas, dão curso, ao menos durante um tempo, aos nossos olhares sobre a realidade e aos nossos sentimentos.

Sensibilidades exigem também tempo. Tempo para olhar para trás e ver o que realmente valeu a pena e o que não valeu. Tempo para parar de pensar e ver mais com o coração. Tempo para abrir mão de nossos egoísmos e nos despojarmos em altruísmo, cada um ao seu modo. Há muitas causas e necessidades humanas em direção às quais podemos nos voltar. Dores e sofrimentos de todos os tipos, sejam os mais inusitados e imediatos, como os de longo prazo.

Perder um ente querido, atordoar-se com as tormentas de um vendaval inesperado que destrói parte de nossas vidas. Tudo isso atinge o mais profundo de nós. Os que estão à nossa volta podem se sensibilizar ou não, mas o fato é que as dores do mundo existem e nos atingem, quer queiramos ou não.

Na última semana fui tocado no coração em duas oportunidades. A primeira por conta de uma perda. Uma jovem esposa, com dois filhos queridos, se vê sem o chão ao ter de ser despedir de seu companheiro. Um jovem amigo, a quem tanto devo, chora de desespero ao ver parte de seu lar destruído pelo vendaval que tomou conta da nossa região. Não há como não se sensibilizar. A impotência é o pior dos sentimentos. Saber nada poder fazer em alguns casos parece um limite desesperador.

Só sei que me despedaço, como não poderia deixar de ser, porque fui criado assim, a partir do referencial de um Cristo da compaixão que se comove com a dor alheia: da mulher adúltera, do amigo morto, do cego, do aleijado, do leproso, do endemoninhado. Essa referência da cultura é mais do que isso. É uma mística, a mística do amor fraterno, que transcende as barreiras do desamor, do ódio, dos limites existenciais de todos os tipos.

Sob meus olhos vejo e sofro com a angústia dos mais velhos (um em especial), sôfregos pelos desatinos da vida, pela debilidade física, pela memória fraca, pelo desejo de viver. Vejo um olhar hipnotizado de uma mulher atingida pela morte do marido. Vejo o choro de desesperança de um amigo-irmão atingido pelo tal vendaval. E nestas horas, não é possível não sofrer junto. Como diz um grande pensador, o pior do sofrimento é passar por ele sozinho.

Minha esperança aumenta nestes momentos, ao perceber que podemos mais. Podemos mais amor e solidariedade, mais compreensão que razão pessoal, mais afago que necessidade de acolhimento, mais fraternidade que animosidade.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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