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A Igreja dos Pobres

Em uma semana repleta de debates sobre os 50 anos do golpe de 64, participei de um evento em São Paulo, abordando o tema da atuação dos movimentos de jovens e da pastoral da juventude durante o período militar. O acolhimento da crítica à atuação de parte da igreja católica apoiando o golpe foi grande. Ainda sob os ecos da onda espiritualista e do “medo do esquerdismo”, respingos de ojeriza ao discurso do compromisso social cristão se fizeram sentir. Há irracionalidades que precisam ser superadas.

A pobreza não é uma categoria existencial, mas condição social resultante da injustiça. A igreja e os discursos libertadores nunca sacralizaram os pobres, apenas enfatizaram como denúncia o aviltamento da condição humana pelo empobrecimento. Várias passagens evangélicas demonstram a opção de Cristo pelos pobres e que ele próprio assumira a pobreza como condição de vida. Viver como pobre não significa estar em situação de miséria. Ao se dirigir ao jovem rico, Cristo deixa bem claro que a entrada no reino de Deus elimina o apego aos bens materiais.

Em Cristo o exemplo está para além das palavras e dos discursos. Muitos alegam que a associação entre o cristianismo e as tendências políticas do campo progressista é incompatível. Ledo engano. Afinal, a própria igreja condena os que aderem aos discursos e práticas liberais e neoliberais, pecadores do mundo contemporâneo que com sua omissão e ação defendem o interesse do grande capital. Para este pecado social o peso do perdão deverá ser maior, na infinita misericórdia de Deus. Falam em eficiência, quando na verdade dilapidam o patrimônio público e implantam políticas de destruição de direitos sociais.

O papa João Paulo II, conhecido crítico da Teologia da Libertação, reconheceu em documentos oficiais a importância e necessidade dessa teologia, que muitos consideram como variável marxista dentro do espectro religioso. Gustavo Gutierrez e Leonardo Boff, os dois principais representantes dessa corrente, negaram com veemência que o marxismo seja a sua base. Assumem-no como ferramenta teórico-metodológica, mas nunca como essência do discurso libertador. A essência são os evangelhos. Se há uma igreja, enquanto comunhão universal dos crentes, em cuja adesão o compromisso social é exigência, então, quem está de fora dessa comunhão são aqueles que cedem ao jogo do poder econômico, independentemente de orientação política.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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