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A Luta Política

Com a onda irracionalista decorrente do processo de globalização em curso, vários segmentos da vida social foram contaminados por valores e práticas de cunho (neo)liberal, aderindo ao espírito da disputa e da competição. Nas agremiações do campo da esquerda, antes pautadas pelo referencial democrático socialista, correntes específicas aderem com entusiasmo ao espírito da destruição do outro, paradoxalmente um outro semelhante. Agregar não é mais o tom da atuação política, como nos tempos em que havia um inimigo comum. Agora o interesse pela desconstrução é maior do que pela construção. As experiências históricas de cada um e de cada grupo divergente são jogadas ao léu, nessa idiotice da imputação de responsabilidades à “esquerda radical”, que é, no dizer dos adesistas de carteirinha, a causadora dos males resultantes da pulsão social.

São poucos os grupos mais reflexivos que evitam como podem essa lógica. Em geral, o pragmatismo, a desqualificação, a adesão barata ao “time do coração”, aprofunda o fosso irracionalista, já que a não aceitação da diferença promove fundamentalismos de toda ordem. Na violência verbal e simbólica, detecta-se a adesão aos pressupostos aniquiladores do espírito liberal. Incapazes de trafegar pela via da elaboração consensual a partir da divergência, segmentos que representam as pontas dessa esquerda, os mais “radicais” e os mais “ajustados”, agem na mesma sintonia, sem perceber o quanto da solidariedade política, tão necessária aos que participam da elaboração de uma mesma cosmovisão, relegam ao segundo plano.

Não que tudo possa ser consensuado. Há diferenças que são impossibilitadoras da convergência. Mas não é compreensível que parte da esquerda mais aguerrida se una com os neoconservadores contra os outrora colegas de instituição política. Nem é compreensível que as legendas antes agregadoras do discurso mais à esquerda, tenham caído na lábia do discurso fácil, pragmático, de que tudo é emergente e, por essa razão, mandam às favas compromissos mínimos inegociáveis em nome de um progresso a qualquer custo, desmedido, que em nada freia o descuidado para com o que é o cerne de nossa sobrevivência.

Análises mais profundas sobre os rumos que desejamos para a espécie humana, adensadas pelas bases interpretativas alargadas das ciências sociais, humanas e da filosofia, passam ao largo. E nos salve-se quem puder da mútua destruição, vale mais o quanto cada um aparece no cenário político, do que as mangas arregaçadas, conjuntamente, para olvidar a transformação social tão desejada.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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