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À Sombra do Jequitibá

Árvores frondosas influenciam mentes brilhantes, eternidade afora. Sob Mangueiras e Jequitibás o pensamento educacional brasileiro floresceu, a partir de Recife e Campinas. Dois iluminados sintonizavam com a natureza. Não me parece nada coincidente que não fossem pedagogos de origem. O que isso significa? Para um modesto professor como eu, um grande sinal. Da Teologia e da Filosofia, fontes da inefabilidade, ecoaram ondas sonoras que penetraram no coração do conhecimento educacional. Qual a principal tarefa dos educadores? Humanizar. Mais do que salvar o mundo de suas injustiças tão evidentes, humanizar é incorporar o saber da crítica, da criatividade técnica, da libertação e do cuidado. Muitos se perdem, ao defender com justeza os pobres e sofredores, sem o amor pela totalidade da experiência humana.

Em recente visita à Jundiaí, Leonardo Boff, ao autografar um livro, confidenciou a mim e a um amigo próximo, que vários grandes brasileiros de sua geração estavam morrendo. Os sábios não vivem para sempre. A perda de Rubem Alves, educador da sensibilidade, infelizmente, corrobora para com essa fala de Boff. Paulo Freire e Alves foram pais da Teologia da Libertação, de uma educação crítica e humanista. Associar o saber à sensibilidade, como meio para aprender mais e melhor, não é receita que todos desejam utilizar. Ela incomoda, porque já há estruturas e modos arraigados de operar os modelos educacionais, que impedem o avanço do coração. Invertendo os fundamentos das palavras, sua etimologia, “saber de cor”, que é saber pelo coração, virou memorização sem sentido, desconectada da formação ampla, para a vida ética e o convívio social.

Cultivar o gosto pela literatura, pela poesia, pela música clássica, pelas obras de arte, pelos jardins, pelas plantas, pelos os animais, para além das informações contidas nas receitas livrescas, aparece, por incrível que pareça, apenas na cabeça dos gênios. O óbvio escapa aos comuns.

Minha maior e melhor impressão sobre Rubem Alves foi o seu “assumir a posição de Jequitibá”, árvore símbolo da cidade de Campinas. Em certa ocasião, a copa deste grande homem, agraciou ao mestre Paulo Freire, que havia voltado para o Brasil. A Unicamp requisitara um parecer a Rubem Alves sobre o colega. Dentre as várias palavras utilizadas, algumas foram marcantes: “pode alguém escrever um parecer sobre Mozart ou Beethoven? Será possível que não conhecem Paulo Freire, homem de envergadura mundial? Pode alguém menor que um outro dar um parecer sobre este?” E vaticina: “meu parecer é que não tenho parecer, Paulo Freire é meu colega e trabalha na sala ao lado da minha.” Dois amigos, dois grandes educadores. Duas árvores, dois silêncios. Duas personalidades raras, duas permanências. Sombras boas, de Jequitibá e Mangueira.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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