Home / Destaque / Argumento de Autoridade

Argumento de Autoridade

Entre os mais comuns recursos discursivos utilizados em nosso cotidiano está a falácia lógica do argumento de autoridade (argumentum ad verecundiam). Para dar credibilidade ou negar competência às realizações de alguém, descabidamente, muitos enveredam por esse caminho sem fundamento. Não há como atribuir suposta culpa ou responsabilidade em todas as “más realizações” de um oponente simplesmente sustentando que ele é “incapaz” (não tem autoridade, conhecimento, saber prático). Nem se pode esperar que todos acreditem que o “bem feito” é resultado inevitável da “autoridade” (saber fazer) por quem simpatizamos.

Faltando elementos comunicativos sustentados em evidências empíricas, a apelação toma forma e o empobrecimento da verdade, de forma unilateral, resulta num desfecho prejudicial à decência de quem fala. Ou seja, sempre o “denunciante” sem ferramentas de boa informação lesará a própria imagem ao tentar denegrir a do outro pela suposta “falta de autoridade” em resolver problemas.

Aristóteles entendia bem sobre isso e, seguindo a tradição socrática (mesmo querendo aprimorar o saber filosófico em outras bases), demonstrou que este mecanismo é insuficiente para dar crédito ao que alguém sustenta como verdade.

Como bem disse Sócrates em sua apologia, só ele poderia de fato ser considerado um grande sábio, pois o sábio autêntico e verdadeiro sempre atribuirá a si mesmo o nada saber. E por esta razão, ao propor mais a comunicação fundamentada em proposições demonstráveis do que o determinismo do saber que se sustenta, acabou sendo morto.

Deixando bem claro, nem validar o que alguém “faz” pelo seu suposto saber (autoridade), nem desacreditar pela razão inversa, uma suposta incapacidade ou não saber (falta de autoridade) podem justificar uma prática discursiva. Se um argumentador se baseia exclusivamente nesta proposta de compreensão sobre algo, colocará em risco sua própria credibilidade.

Infelizmente, estamos rodeados por essas artimanhas da comunicação. Já faz muitas décadas que o racionalismo cartesiano caiu em descrédito no mundo científico e, assim sendo, não poderá balizar uma interpretação pelo simples fato de alguém “com autoridade” (intelectual, prática, científica) sustentar. Mesmo o mais experiente intelectual tem seu conhecimento limitado e a ele não poderá ser imputada a capacidade última (ou a incapacidade) no desfecho de uma questão. Os medíocres se fiam nesses estratagemas, os sábios aguardam para que a verdade venha à tona quando os dados estiverem claramente à disposição de quem se habilite a verificar sua existência.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

Check Also

QUE CIDADE QUEREMOS?

  Uma cidade nunca é o resultado de uma marca específica. Terra da Uva? Terra …