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Convivendo com um Diferente

Um dos lemas preferidos do discurso supostamente humanista é o da “importância do conviver com os diferentes”. Entre nós, humanos, certamente há muitas diferenças: sociais, emocionais, de acesso aos bens públicos, de vida digna… Nem sempre interessante, portanto, que as diferenças sejam consideradas importantes. Em muitas ocasiões elas são impedimentos ao bom convívio. Claro que aqui não se trata de diferenças de opinião, de gostos, de postura diante da vida. Neste quesito também nem sempre conseguimos considerá-las algo positivo.

Mas o que me toca neste momento é a relação entre os humanos e os demais seres, que não possuem esse problema da dificuldade em conviver com opiniões e gostos diferentes. O problema maior, creio eu, dos animais, plantas e todos os bichos com os quais convivemos, seja realmente a nossa existência. Se nós que nos consideramos “seres racionais” não conseguimos atingir a tolerância e o respeito mútuos, o que dizer de nossa relação com os animais? Maus tratos e abandono não me deixam mentir.

Não se pode generalizar, certamente. Há até especialistas em defesa dos direitos dos animais, entre eles o filósofo Peter Singer, destacado professor da Universidade de Princeton, que já publicou vários trabalhos considerando a importância de não nos colocarmos como centro do universo cósmico e que há uma ética a considerar em nossas relações com os animais.

Tornou-se um jargão do senso comum a crença de que a convivência com os animais (sobretudo cachorros) é preferível à convivência entre pessoas. Se há verdade nisso, podemos discutir. Mas intriga o fato de sentirmos afeição e proximidade para com os animais, a quem creditamos (e de fato possuem) singularidades afetivas, sem conseguirmos estabelecer boas relações entre nós. Como dizia Sartre, o grande filósofo francês, “o inferno são os outros”. Como pode, ao mesmo tempo, um ser humano perceber as qualidades emocionais em um animal e outro não conseguir, ignorando, maltratando e abandonando? Há algo de errado no reino da Dinamarca.
Ou os animais estão sendo sacralizados (e por tabela demonizamos o humano) ou não conseguimos perceber que, na verdade, todos nós, seres integrantes do cosmo, estamos conectados por laços que podem se constituir como forças positivas.

Agrada-me pensar que, no final das contas, a harmonia (mesmo a provocada por situações caóticas) prevalece como resultado final.
Convenhamos, quem desses humanos como nós não sofreu com a perda de um amigo de outra espécie? Humanizamos os animais? Talvez. O que há de errado nisso? Talvez nada. A questão é o tratamento, desumano, que por vezes lhes proporcionamos. E aí há todo um curso reflexivo que precisamos empreender.

Não podemos exagerar na dose quando a questão é acentuar a humanização dos animais. No entanto, não será por essa razão que devemos desconsiderar as potenciais ofertas emocionais que a convivência com os nossos parceiros de jornada pode nos oferecer. Respeito é bom. Diz ainda uma peça publicitária animal, que “respeito é o bicho”. Muito criativa, por sinal.
É isso, respeito é o bicho. E respeito aos bichos também, falando mais claro.

Artigo Publicado Originalmente na Revista Tambor

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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