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Cuide-se Bem

Talvez o maior filósofo romano, Sêneca dizia que nossa vida pode parecer longa quando damos maiores sentidos a ela, a tudo que fazemos no intervalo entre o nascimento e a morte. A vida ética, como sempre afirmou Aristóteles, pode ser o maior desses sentidos. Categorizava que ser ético não é ser perfeito, que a ética é o bem e sua busca, um caminho para nos tornarmos bons. A razão, base deste caminhar, nos levaria a estabelecer como hábito algumas práticas sustentadas na ideia do justo meio entre o que é aceitável e o que não é.

Podemos sim desviar do percurso vez ou outra, mas o caminho em busca do bem deve ser nosso norte. A este ideia os gregos atribuíam o conceito de phronesis, ou seja, a prudência, a sabedoria. Há muitas pessoas imprudentes. Outras são moralistas, para quem os desacertos e descompassos dos outros devem sempre ser vistos como falha de caráter. Nem sempre. A máxima evangélica indica que tais pessoas preferem ver o cisco no olho dos outros que a trava que há no seu.

Uma linda canção de Guilherme Arantes, que dá título a este artigo, diz que “perigos há por toda a parte, é bem delicado viver, de uma forma ou de outra, é uma arte, como tudo.” Ceder aos perigos e se desviar do caminho é sempre possível. Angustiar-se devido à vitimização por conta dos erros patrocinados pelos que não se preocupam com o bem coletivo é imperativo. Nem sempre as nossas forças são suficientes para reagir ao que nos fere eticamente.
Como diz Mário Sergio Cortella, a opção pela honestidade é dura, porque é mais fácil optar pelo imediatismo do agora. Leandro Karnal, falando para um grupo de dentistas na Bahia, afirmou que ao pedir para o cliente se deseja recibo, não poderiam fazer referência à falta de moralidade na política. Estamos cercados por situações assim, nas quais quem pleiteia a decência está contaminado por uma dinâmica de vida em que o que aponta nos outros é justamente o que não faz. Na psicologia chamamos a isso de projeção. Os espelhos da moralidade podem ter sido forjados nas areias do moralismo.

Princípios mínimos, eis a receita que nos sugerem muitos pensadores da ética. Há valores que são inegociáveis: a compaixão, a solidariedade, a responsabilidade e o cuidado. Por fim, a doença moral se situa justamente na falta de percepção sobre si mesmo. Eis o caminho, eis o esforço. Antes mesmo dos julgamentos precipitados sobre a conduta alheia, olhar para si mesmo. Sugestão socrática, antiga, da tradição clássica: “conhece-te a ti mesmo”. Todo o resto é mero julgamento e julgamentos são sempre questionáveis.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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