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De Indecências e Sensibilidades

Um trecho da canção ‘Indios’, de Renato Russo, parece-me sugestivo. Encontramos pela vida gente que “fala demais por não ter nada a dizer”. Os pedantes e arrogantes nos circundam. Desprezam o que não conhecem. Interpretação e capacidade de argumentação derivam do contato com quem pensa de fato. Há também o lastro social, experiências que não se adquirem com diplomas. Apelando para a ciência, lembro um dos erros que Francis Bacon aponta no ‘Novum Organum’, como maneira de se afastar da verdade.

Trata-se do conceito de ídolos do foro, ou do mercado. Diz ele: “os homens se associam graças ao discurso, e as palavras são cunhadas pelo vulgo. E as palavras, impostas de maneira imprópria e inepta, bloqueiam espantosamente o intelecto.” E continua: “os antigos filósofos gregos, aqueles cujos escritos se perderam, colocaram-se, muito prudentemente, entre a arrogância de sobre tudo se poder pronunciar e o desespero da acatalepsia.”

Os bons filósofos ironizam e ridicularizam os analistas de meia tigela, indispostos com a contrariedade. Já anulam na própria partida, os resultados de sua pretensa chegada analítica. Fico pensando nos velhos amigos de leitura, como Sartre, Marx, Nietzsche, Aristóteles, Habermas e tantos outros.
A admiração às suas postulações teóricas faz tanto bem! Apenas admiração. Seriam referências para não subir no tamanco da soberba. Como sempre preconizou a filosofia de origem, a modéstia é que torna alguém sábio, não sua verborragia. Destilar venenos conceitualmente anedóticos – supostamente fundamentados – está mais para a indigência intelectual do que para a capacidade de reflexão.

Apartada a ignorância da maledicência, já haveria condições para alguma razão analítica. A moralidade contradita está no suposto saber daquele que não o percebe no outro. Trata-se evidentemente de um problema ético anterior, já que a decência está mais em segurar o verbo do que difamar. Há respeitos prévios que se supõem para os letrados, nunca entregues, ao menos os mais polidos, aos certames da competição pura e simples.

Interpretações serão sempre interpretações, como apregoava o velho Nietzsche. Do lugar de cada um sai a palavra adequada para seu dizer. Razão comunicativa nunca é atitude vilipendiadora. Os dados ao trabalho intelectual são cavalheiros e damas por natureza.

Seu linguajar é mais sofisticado. Afinal, na suposta sinceridade “reflexiva” nem sempre reside a decência. Ela está mais instalada no coração de quem sente o outro em suas vivências. A indecência, portanto, não é privilégio de ninguém e, infelizmente, por vezes é combatida com a mesma postura.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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