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Desconfie de Si Mesmo

Uma das tarefas fundamentais da filosofia é promover a dúvida. Em geral, desconfiamos de tudo que não parte de nosso referencial de vida, ideológico, das vivências do outro que nos interpela. A grande aprendizagem que a dúvida proporciona é a de nos colocarmos sob suspeita. Não podemos sempre dar crédito ao que acreditamos ser a verdade. Em processos de construção da própria identidade, estar atento aos olhares que nos contradizem se faz imprescindível. Evidentemente, não ao que nos diminui, classifica, desconsidera, mas ao que nos faz crescer.

Os filósofos são vistos por muitos como aqueles que nunca se definem, que não possuem posição clara e fixa. São, no dizer dos mais desajuizados, verdadeiros “vira-casacas”. Os que possuem o benefício da certeza, que vivam com elas, mas sofrerão muito mais ao ver que o mundo parece sempre estar contra eles. Não que devamos nos adaptar à realidade, ajustar condutas conforme a onda. Manter certos princípios mínimos é condição fundamental para que a coerência permaneça. Mas há sempre o risco do outro, suas diferentes posições e interpretações.

A questão é que a não tolerância por vezes provoca a insegurança e, por conta dela, partimos para o ataque ao que nos ameaça. Segurar o impulso e manter a confiança nas próprias crenças, estando aberto para ouvir outras opiniões, traz mais tranquilidade e afasta o medo que a suposta certeza nos inculca.

Muitos movimentos intelectuais das últimas décadas provocaram um sentimento de descrença generalizada em relação à razão. O discurso pós-moderno, a proposta da desconstrução, experiências de pensamento vindas da Europa e que tomaram vulto no mundo todo, ajudaram a disseminar a desconfiança com relação à nossa capacidade de tudo entender, compreender, definir. Foram contribuições importantes, mas que, por outro lado, acabaram por também colocar a razão sob descrença absoluta e em alguns casos, por assumir esse discurso, muita gente acabou abdicando da luta por uma razão mínima, uma ética mínima.
O estado de alerta está posto, pelos próprios caminhos da humanidade. Há provas concretas de que nossas certezas absolutas são causadoras de grandes males sociais, econômicos, políticos. Viver ao léu da incerteza chega a ser patológico, mas o contrário também é verdadeiro. Diante dessa contradição humana, equilibrar nossos princípios com um peso de desconfiança do outro lado da balança, sempre será mais saudável. Caso contrário, seremos engolidos pela arrogância, pela empáfia, jogando na lata do lixo uma máxima inicial e fundamental da filosofia, repetida incessantemente por Sócrates: “só sei que nada sei.” Fundamental para conhecer a si mesmo é desconfiar de si mesmo.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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