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E Agora, Joseph?

Numa licença poética, recorro a um dos grandes brasileiros de Minas Gerais, rei das palavras, para perceber em seus versos, qual interpretação sempre aberta que a poesia permite, um sinal quase profético de que nem todo José consegue tudo. Há vários Josés, mundo afora. Alguns singulares, outros nem tanto. Certamente não sou.

No primeiro conjunto de ideias, a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu. No segundo, está sem ninguém, sem discurso, nada veio, tudo mofou. E agora, Joseph? Você que tinha a chave na mão e a porta não abre, porque não existe porta. Você é duro, Joseph. Está sozinho no escuro, sem teogonia (grande coincidência). Para onde você marcha Joseph? Agora não marcha, renunciou calado ao projeto que arquitetou? Seus desafetos não terão sua memória restaurada, sua dignidade. Foram centenas de teólogos, bispos, padres, leigos, alijados por completo de sua fé mais sagrada, cerne da mensagem evangélica original: a descrença profunda na acentuação da dimensão hierárquica, predominante na eclesiologia das últimas décadas. A onda conservadora dos padres sem teologia, que ocuparam os espaços disponíveis nos ambientes sociais, alardeando sua fraqueza intelectual, semeando o ódio e a contenda onde deveria imperar aproximação e fraternidade. Pior, afastando parte da igreja dos pobres.

E como diz um velho ditado, “nada como o tempo”. A reparação não virá, mas o realinhamento, quem sabe? O papa Francisco, parece dar sinais de que nem tudo é dimensão hierárquica. Pode haver um retorno às origens? Ainda não sei, talvez. Uma dúvida, porque na mesma semana aparecem essas duas notícias contraditórias. Por um lado, a possibilidade de canonização de João Paulo II, que era assessorado por este Joseph, que virou Bento XVI. Juntos patrocinaram uma das maiores perseguições ideológicas já vistas no seio da igreja. A outra notícia dá conta de que o sucessor de Ratzinger, o Joseph em questão, o arcebispo Gerhard Ludwig Müller, pretende colocar os pingos nos “is” no que se refere às interpretações maliciosas sobre o pensamento da libertação. Amigo de Gustavo Gutierrez, um dos mentores da Teologia da Libertação, o Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé ajuda a desmistificar um conjunto de crenças distorcidas sobre essa vertente teológica em uma publicação conjunta. O fato foi divulgado nesta semana no blog do teólogo brasileiro Leonardo Boff. Depois da vergonhosa campanha difamatória, da perseguição contra os adeptos da Teologia da Libertação, décadas seguidas, e o silêncio (não obsequioso) ao qual se submeteu, fica a pergunta crucial: e agora, Joseph?

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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