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Educação como Discurso

Paulo Freire já denunciava o engodo do discurso que supõe a primazia da prática sobre a teoria, visão romântica e ingênua que não condiz com saberes que se constroem conjuntamente. Em “Educação Como Prática de Liberdade”, obra escrita em 1969, diz que “quase sempre ao se criticar esse gosto da palavra oca, da verbosidade da nossa educação se diz dela que seu pecado é ser teórica. Identifica-se assim absurdamente teoria com verbalismo, de teoria na verdade precisamo-nos, de teoria que implica numa inserção na realidade, num contato analítico com o existente, para comprová-lo, para vivê-lo e vivê-lo plenamente, praticamente. Nossa educação não é teórica porque lhe falta esse gosto da comprovação, da invenção, da pesquisa. Ela é verbosa, palavresca. É sonora. É assistencializadora. Não comunica, faz comunicados, coisas diferentes”. Eis a cegueira dos que supõem enxergar.

Verbalismos nada tem que ver com fundamentação teórica. Críticas ao suposto academicismo são confissões de inabilidade com o saber fundamentado. Há pessoas que reificam o tempo todo no seu discurso que não possuem a fundamentação, por isso apelam para a verborragia sem sentido. Típico nos processos educacionais, tanto no setor público quanto no privado é reproduzir meia dúzia de bobagens palavrescas como se fossem verdades teóricas.
Nenhum especialista em medicina, por exemplo, propõe alguma profilaxia que não tem fundamento científico. A não ser que existam evidências empíricas, na educação muito menos deveria prevalecer esse clima “zen”, das palavras doces e descoladas da realidade de fato. Quem pode promover a ascensão da realidade senão a sua parceira imprescindível, a teoria?

O dito que já foi dito, decidido por uma referência sem referência, ou uma referência cuja referência é não ter referência, precariza a construção de orientações pedagógicas, porque alguém achou que o coletivo do pouco é o coletivo do todo. Nada mais contraditório em relação ao próprio pensamento de Paulo Freire, já que nosso patrono da educação jamais desejou a prevalência de interesses de quem quer que seja. Julgamentos à parte, falta humildade nos que estão envolvidos cotidianamente com a tarefa educativa. Muitos supõem que os problemas sociais todos serão resolvidos com o desejo puro e simples de uma educação transformadora. Isso seria negar a contradição. Viver a contradição é assumir a humildade.

Humildade, diga-se de passagem, não significa abrir mão do saber sistematizado que adquirimos com esforço ao longo de nossa jornada profissional, mas utilizá-lo de forma a não prescindir da visão do senso comum, mesmo que desfocada, como base para o aprofundamento do diálogo.

Quem não sabe dialogar, na verdade é quem sempre prefere o senso comum, despreza o saber teórico por considera-lo pedantesco. Falta humildade e reconhecimento à história de luta de tantos que dedicam a vida em favor de uma melhor compreensão dos dilemas da educação. Talvez por isso, em nosso país, verifiquemos tanto desprezo aos nossos principais intelectuais e, com o apoio de uma mídia sofrível, subam à cena, os promotores do discurso fácil e superficial.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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