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Educar com Doçura

Há muitas receitas para uma boa educação. Elas surgem de todos os lados, especialmente do mercado, o grande agente regulador da vida social. O capitalismo tem a capacidade de se apropriar do que é verdadeiro e transformar em mercadoria. Assim faz com o discurso da sustentabilidade, da solidariedade, da “responsabilidade social” e da “educação humanista”. Uma pena.

No meu caminho de tantas décadas como educador, chego a um ponto, depois de muito me dedicar à pesquisa acadêmica, em que me convenço que se existe uma receita única para a tarefa educativa – o que duvido muito – ela seria pensar a transformação social com a doçura ética que precede o domínio do saber científico, letrado.

Infelizmente, muitos que atuam em educação, na lida da sala de aula ou na gestão, perderam completamente, devido à dureza da vida, o sentido da doçura. Não da pieguice, mas daquela capacidade em ouvir – a generosidade da escuta nem sempre faz água no campo educacional – de solidarizar-se com o outro – o outro aluno que não sabe escrever direito, que não entende o que a gente diz, que não consegue conectar conceitos à realidade. O preconceito de muitos educadores, que supõem um conhecimento prévio em alunos sobre os quais pouco conhece, chega a causar asco.

O pedantismo acadêmico, o suposto traquejo intelectual, são marcas de uma academia falida, que sucumbe aos ditames desse “mercado” invisível – controle, burocracia, arrogância gerencial, dentre outros aspectos. Educadores humanistas e críticos não se deixam levar por esses preceitos rasos.

Na escola ética, cuja frequência não se dá por meio dos assentos das carteiras, aprende-se que acima de qualquer “meta” (outra palavrinha infeliz utilizada por muitos), está a qualidade humana e social da educação. Incrível como tantos educadores “experientes” ainda caiam nesta armadilha do discurso, quando supõem que qualidade significa atingir “patamares de excelência”.

A seriedade de um educador comprometido vai além de seu domínio técnico. A seriedade de um projeto pedagógico vai além da parafernália conceitual, tecnológica e discursiva comumente utilizada como sinônimo de “qualidade”. Gente que pouco lê e estuda, vai reproduzindo essas bobagens como se fossem bíblias pedagógicas.

Estou convencido de que meus alunos e alunas precisam de doçura, ponto inicial de todo trabalho educativo. Essa doçura se aprimora com o diálogo aberto, valorizador da experiência do outro, captador de experiências cotidianas, que pacientemente trabalhadas como matéria prima inicial, se tornam riquezas educacionais que poucos conseguem perceber.

Essa cultura de que escola boa é escola aparelhada, contamina a consciência de muita gente, dentro e fora dos sistemas educacionais. O estrago é tanto que o óbvio soa como loucura. Há pessoas que, infelizmente confundem sensibilidade – qualidade de poucos – com fragilidade. Ao contrário, diria que os melhores educadores – e gestores escolares – são aqueles que conseguem aliar o bom trato humano, a percepção social e a capacidade intelectual. Destas três características, tenho certeza, a primeira é a base de tudo.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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