Home / Destaque / Emoções de Historiador

Emoções de Historiador

Esta foi uma semana cheia de surpresas. Para quem atua como historiador determinadas descobertas são emocionantes. Não são fatos, datas e acontecimentos frios que tomam minha atenção. Com formação em história social, interesso-me pelos pormenores das lutas e experiências cotidianas, de trabalho e de vida. Sobretudo as relativas à minha história familiar.

Registros simples, documentos e fotografias, estimulam a imaginação. A iniciativa de buscar os dados, por meio do contato com pessoas, proporciona essa sensação de entusiasmo. Incrível chegar a lugares longínquos, períodos distantes, nomes não conhecidos, para supor – a tarefa do historiador é sempre interpretar o passado a partir do presente – o que foi vivido.

Com a ajuda de alguns parentes próximos, tive acesso a sentimentos diferentes, ao me deparar com informações que não possuía. Depois de quase vinte anos de pesquisa, saber que havia uma fotografia de uma bisavó ou que o nome de um tetravô poderia ser visto em um documento. Que certidões de óbito de minha trisavó trariam os nomes de seus pais e sua região de origem na Itália, para mim desconhecidos.
Neste mosaico, surge uma composição de vivências. Este é o papel do historiador, relacionar as experiências cotidianas com processos maiores e descobrir os impactos que estes proporcionaram na vida das pessoas, no passado e nos presente.
Sou grato aos primos Adão, Flavio e Estela, que me ofereceram bases de pesquisa novas. Uma das situações mais impactantes foi visualizar a bancada de trabalho de um de meus bisavôs paternos, que era carpinteiro. Como pode um instrumento de trabalho e todas as ferramentas, perdurarem por quase 100 anos?
No meu entender há um motivo primário. Trata-se do respeito à memória histórica. Nem todos se responsabilizam pela preservação de bens materiais ou imateriais que ajudam a manter as experiências registradas. O desdém para com o patrimônio histórico, inclusive pessoal e familiar, ainda se constitui como grande desafio para a cidadania. Até o tipo de madeira utilizada na bancada, como bem lembrou meu pai, remete a experiências de trabalho diferentes das que hoje existem na área da carpintaria.
Esse respeito aos objetos de trabalho do meu bisavô, que depois foram utilizados por seu filho – meu tio-avô – é marca registrada de meu primo em segundo grau, primo de meu pai, que permitiu que eu visse os objetos. Uma sensação muito estranha, como se estivesse vendo as pessoas ali, ainda trabalhando. Também foi a mesma sensação que senti ao ver a foto de minha bisavó materna, evento proporcionado por meu primo Adão. Uma semana repleta de emoções, próprias para quem vive a escarafunchar o passado familiar.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

Check Also

PAULO ROBERTO DE ALMEIDA: UM INTELECTUAL MILITANTE

Eu soube apenas na última semana que você havia adoecido. Meu compadre e seu amigo, …