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Entre Máscaras e Transparências

Há uma cena em um filme pouco conhecido (O Amante da princesa), que aborda a questão do avanço iluminista na Europa do século XVIII. A rainha Carolina da Dinamarca diz ao médico do rei, doutor Johann Struensee, em uma dança durante um baile de máscaras: “você nunca tira as máscaras, não é mesmo?” E ele estava sem. Um iluminista disfarçar-se atrás de livros com pseudônimos? Era uma questão de vida ou morte. Infelizmente ele foi decapitado.

As manifestações das últimas semanas provocaram defesas e críticas ao uso de máscaras e métodos de comunicação não convencionais na divulgação dos eventos de rua. Para uns esses métodos não são transparentes e legítimos, seus patrocinadores deveriam mostrar a cara, assumirem com transparência suas pautas. Longe da mera defesa ou não destas práticas, está outra reflexão.
O simbolismo das máscaras revela algo importante: nem todos estão dispostos a dar a cara à tapa, por um lado e, por outro, muitos dos que estão de cara limpa, não deixam de usar máscaras. Há pessoas “transparentes” que vivem enfiadas no moralismo, no reacionarismo, supostamente defendendo interesses coletivos, mas, fazendo de tudo nos bastidores para inviabilizar e neutralizar o primeiro cristão que encontram pela frente. Apelam ao juridicismo, ao legalismo, ao discurso panfletário, sem assumirem a corresponsabilidade em torno do debate sobre uma peça fundamental: como as regras e normas são construídas. São os democratas das próprias causas. Não tenho dúvidas a respeito da necessidade de que normas mínimas de convivência sejam estabelecidas e respeitadas por consenso. Mas o que salta aos olhos é um princípio ético que julgo fundamental tanto para quem usa máscaras quanto para quem não usa: a responsabilidade.

O debate ético passa pela confluência entre o sentido da liberdade (assumir as opções que se faz e suas consequências) com a questão da autonomia, sempre relativa e vinculada ao interesse coletivo. Qualquer tipo de ação violenta que incida sobre essa liberdade de escolha, quando quem escolhe é responsável e percebe o interesse coletivo, será sempre condenável. Como também será condenável a falta de transparência dos mascarados de todos os tipos, que promovem a vilania em nome de um bem comum. No cotidiano estamos recheados de ações dos “caras limpas” que incitam essa violência: calúnias, julgamentos antecipados, puxadas de tapete e demais práticas do gênero. O risco dos que condenam tudo é incidir no moralismo, desvirtuamento brutal da conduta ética. O risco dos que apoiam qualquer coisa é prejudicar o consenso mínimo em torno de práticas sociais aceitáveis.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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