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Ética das Mães

Em 1978, Albino Luciani, o papa João Paulo I, surpreendeu ao afirmar que “Deus é mãe”. Uma fala poderosa em relação à cultura religiosa e política do ocidente. Talvez seu desejo não tenha sido esse, o de apontar a centralização do poder nas mãos do gênero masculino. Claro, suas intenções foram, além disso, circunscritas no plano de uma ética religiosa em que há um inevitável destaque para o papel das mulheres como figuras do cuidado.

O cuidado é o cerne da postura ética. E não há como dissociar a ética do cuidado individual, da tarefa política de cuidar do coletivo. Por esta razão, as mães são, na maioria dos casos, exemplos marcantes de atitude cuidadora. Elas cuidam de nós até sempre. Mesmo depois de sua partida, certamente estão a nos espreitar, lembrando-nos em nossa memória, como sempre, se não estamos nos esquecendo do guarda-chuva em dia que possivelmente choverá, ou da blusa em dia que esfriará. Não nos damos conta do que elas percebem, porque são cuidadoras por natureza. E nós, displicentes.

Deus, enquanto bondade universal, só pode mesmo ser associado à bondade das mães, das mulheres que cuidam com afinco, vidas a fio, do bem estar dos filhos, dos maridos, dos netos, dos bisnetos, dos genros, das noras e, em muitos casos, como o da minha avó materna, dos cunhados menores, quando da perda do seu sogro e de sua sogra. Fantástica atitude das mães que, solidarizam-se sempre com as necessidades alheias. Quase inaceitável esta sua resignação absoluta em função dos outros. Por vezes, sua condição existencial torna-se por demais desumana, ao serem obrigadas a assumir tarefas além de suas próprias condições físicas, financeiras, emocionais. Mas mãe é mãe, como dizem. Conheço uma Maria das Dores que não tem igual…

Apesar de o solidarismo masculino ter se alargado nos últimos tempos, das mulheres terem conquistado espaços na sociedade e de muitos avanços na sua proteção e nos seus direitos, ainda há muitas delas, em condição de maternidade, que sofrem com a violência doméstica, com a fome, o desemprego e, incrivelmente, com a ingratidão dos filhos e dos maridos.

A falta de maternidade nas relações humanas é algo assustador. Digo, a falta de cuidado, claro. Precisamos resgatar na ação algo que é singular na postura das mães. Nós precisamos, elas indicam. Uma sociedade que não cuida das mulheres que são mães, não poderá ser uma sociedade cuidada, eticamente constituída. Faltará sempre algo, um pilar, uma base socializadora. Felizes são aqueles que ainda possuem mães vivas. Felizes aqueles que tiveram mães cuidadoras. Felizes os que são filhos da ética, porque a ética, em grande medida, se localiza no coração das mães.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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