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Faça O Que Quiser

Eis um título que me agrada. Ele aparece em decorrência da leitura de uma das obras mais interessantes e didáticas sobre o tema da ética. Trata-se do famoso livro de Fernando Savater, “Ética para meu filho”, muito utilizado no meio educacional por professores da área de Filosofia. Na verdade, um livro delicioso de se ler, cheio de contextualizações a partir dos clássicos e de situações do cotidiano.

Uma das questões candentes do discurso ético é a da liberdade. Savater trata do tema em diversos capítulos do livro, sempre ressaltando os desdobramentos de nossas escolhas. Poder dizer sim ou não, decidir entre isso ou aquilo, avaliar as consequências do que falamos, fazemos. Se agimos por conta própria ou porque nos mandaram fazer. Se agimos por capricho. Se nos infantilizamos no agir ou nos comportamos como adultos.

Seguir convenções ou desenvolver a capacidade de avaliar para melhor escolher o que convém e não necessariamente o que podemos fazer. Em sua obra, Savater escreve justamente um capítulo com o título deste artigo e retira a expressão de uma obra de Rabelais. A frase consta no pórtico de uma abadia, fundada pelo personagem Gargantua. E Savater asseverara: na porta da ética está escrita esta expressão: faça o que quiser. As pessoas livres são as que, virtuosamente, escolhem romper com a servidão do já determinado por outros.

Infelizmente, nem sempre conseguimos fugir do lugar comum da impetuosidade no agir. Daí a suposição, presunçosa, da maioria das pessoas, de que fazem tudo a partir do que desejam. Que suas opiniões e desejos estão imunes aos desatinos da imprudência. Dos enganos, surgem retornos. As escolhas nem sempre vão lograr êxito. A consequência pode ser a visibilidade da imprudência como marca do agir. Afoitos demais, inconsequentes demais. Incisivos demais, reflexivos de menos.

Esperar para verificar o rumo das coisas, sem os pragmatismos irreflexivos, se constitui como uma virtude em baixa na atualidade. E esperar não significa eternizar o tempo das soluções. Elas devem e podem ser amadurecidas em pouco tempo. Foge-se assim, do legado da demasia da espera, o imobilismo.

Fala-se muito, espera-se pouco. A ação sem reflexão incorre no problema do mau uso da liberdade, em função da impulsividade. Arrependimentos? Nem sempre. O remorso desse mau uso da liberdade nem sempre será marca de comportamento. E assim continuamos, raivosamente, falando demais e não tendo controle sobre nossa liberdade. Muito menos das consequências de seu uso.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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