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Felicidade e Democracia

U[qdropcap]m dos episódios mais interessantes do programa “Café Filosófico” foi o que teve como tema “Nossa sorte, nosso norte – para onde vamos”, com a participação do filósofo Renato Janine Ribeiro e do psiquiatra Flávio Gikovate.

Aspectos variados do diálogo entre ambos circularam entre dois temas centrais, o da democracia e o da felicidade. Sobre a democracia, Renato indicou que nunca a humanidade esteve num processo tão aberto de liberdades, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, a vivência de valores democráticos e de experiências de individualidade nunca estiveram tão truncadas. Por mais possibilidades que a democracia enseje, especialmente no tocante à livre manifestação de opiniões, nunca as ideias, valores e opções individuais estiveram tão presas a um controle externo.
Sujeitos que apregoam a necessidade da prevalência do interesse público disseminam meia dúzia de verdades, ignorando o direito democrático dos outros de ver e encaminhar as soluções para os problemas da vida de outra forma.

São cegos que se intitulam “bons cidadãos, defensores de direitos coletivos”, mas cuja prática, antiética e nada democrática, tem como pano de fundo a desmoralização do outro. Pior, presos ao seu universo mental restrito, consideram ser possível solucionar os problemas complexos com meia dúzia de palavras de ordem e atacando seus “oponentes” com sua verve moralista.

A felicidade, muitas vezes pautada pelos meios propragandísticos como a satisfação constante de desejos, corre ao largo, na adesão barata dos desejantes aos caprichos mal resolvidos em sua interioridade. Na consciência da simplicidade, muitas vezes, encontra-se o norte da satisfação real.

Ler um livro, apreciar um filme, deleitar-se com uma troca de impressões descontaminada, a melodia de uma música perpassada por uma boa reflexão poética, são soluções simples para uma vida efetivamente feliz. A mesquinharia infantil dos que choram continuamente para resolver aquilo que consideram “muito importante”, constitui-se como motivo de muitos sofrimentos. A vida é muito preciosa para ser gasta desta maneira. Esta incompetência ética é a mais preocupante. Ela é que leva à arrogância, não a competência teórica ou técnica. Porque como diziam os antigos, educação vem do berço e respeito ao diferente deveria ser, ao menos entre os letrados, moeda de troca no debate sobre o que fazer.

A felicidade e a democracia andam de mãos dadas. Parece-nos curioso que a defesa da democracia tenha sido preconizada por pessoas tão tristes. Elas estão à nossa volta e a forma mais eficaz de percebê-las é verificar o seu nível de tolerância às frustrações.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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