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Férteis anos 80

Se há um motivo para satisfação pessoal é o fato de ter vivido minha juventude nos anos 80. Um período histórico de suposta transição para a democracia. Digo suposta porque ainda precisamos aprimorar os processos sociais de decisão. Minha geração viveu, de uma maneira ou de outra, a intensidade dos debates e reflexões que se constituíram para ultrapassar os limites rígidos anteriormente vividos no país. A militância social esgarçava a ideia do dirigismo do Estado e das suas instituições colaboradoras.

Particularmente, cresci num ambiente católico, experimentando com sabor as propostas internalistas de espiritualidade, que se por um lado corroboravam para o aprimoramento ético, por outro se fechavam a discutir os dilemas sociais mais profundos. Os movimentos de jovens católicos, forjados nos idos da ditadura militar, ajudaram a reforçar a descrença em relação à atuação social e política dos cristãos. Felizmente, a partir de fins dos anos 70, as orientações pastorais que bebiam em fontes documentais como as Conferências Episcopais de Medellin e Puebla, foram aprimorando o olhar dos jovens cristãos, sem perder de vista a mística da caminhada, associando-a ao compromisso social. A pastoral orgânica representou este avanço.

Muitos jovens da minha geração, que mergulharam nesta leitura compromissada, ao mesmo tempo fundada numa espiritualidade profunda, hoje estão servindo à sociedade em universidades, governos, organizações não governamentais e mesmo na própria igreja católica, nos ministérios ou no laicato.

Mais que isso. Em fins dos anos 80 e início dos anos 90, estavam à frente de partidos políticos, movimentos sindicais, estudantis, lutas culturais, engajados no espírito da chamada “redemocratização” do país. Infelizmente suas origens militantes (termo essencialmente sociológico, mas que não deve ser desprezado no âmbito da experiência de fé) ficaram obscurecidas com outras orientações pastorais, que alguns autores da teologia chamam de “retorno à grande disciplina”. Mas isso é passado. Vale ressaltar as muitas releituras que tem sido empreendidas no presente, juntando a necessidade de uma experiência mística de fé, sem os exageros fundamentalistas, com o engajamento social e político.

Recorrer à própria experiência é ressifignicar o presente, sobretudo quanto este tempo tem sido posto à prova, do ponto de vista da continuidade das lutas emancipatórias e da preservação de princípios mínimos de convivência social. Não mais uma crítica ácida ao passado, nem mais uma exacerbação sem fundamento aos anseios de luta social. Mais paciência histórica e mais leitura. Menos adesões inconsequentes e mais independência crítica.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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