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Guardando Lugar

Os filósofos existem para ajudar a apontar as razões de ser das coisas, não de maneira absoluta, mas aberta. Esforçam-se por indicar os fundamentos da ação e da percepção que temos sobre os fenômenos. Em tempos de “multiplicidade de olhares”, demonstrar que nem tudo é o que parece ser custa caro. E alguns bons intelectuais se arriscam a “guardar o lugar” do conhecimento, como diz Habermas.

Li a entrevista de Marilena Chauí para o último número da Revista CULT. Deparei-me também com um texto de Marcia Tiburi, que analisa o fenômeno do uso das redes sociais. Entrecruzados três assuntos que estão na baila das discussões: manifestações de rua, uso da internet e institucionalidade.

Ambas desmontam o argumento falacioso de que as redes sociais fomentam a luta pela democracia e a mobilização crítica. Tiburi chama a internet de ratoeira, uma armadilha que envolve “a indústria cultural do medo e o paradoxo da democracia numa sociedade digitalmente vigiada”. Leonardo Boff também demonstrou quais interesses estão por trás de casos de vigilância como os patrocinados pelos EUA, recentemente denunciados.

Chauí fala das recentes manifestações no Brasil. Desmistifica a sanha adesista e ao mesmo tempo se diz assustada com a proporção que a questão da mobilidade urbana em São Paulo tomou. Indica falhas no procedimento do MPL (Movimento Passe Livre) e na solução dada pelo prefeito, que culminaram no enfrentamento sem mediação, palco aberto para ações de direita.

Alerta para o risco da quebra da normalidade democrática, como houve em 64. Alega a existência de uma relação mágica com a realidade em parte dos manifestantes, a falta de rumo, associados a mecanismo perverso da sociedade de consumo: a realização do desejo a todo custo, que pode se constituir como raiz da violência. Diz que falta análise sobre a economia e a democracia nos elogios feitos às manifestações, em relação aos poderes tácitos e implícitos nesses campos e se diz totalmente favorável ao sistema de consulta direta, com uma constituinte específica, inspirada nas grandes e efetivas mobilizações populares que bebiam da ideia da democracia participativa, contra as manobras que tentam bancar um plebiscito. Crítica a atuação do PT, pela sua burocratização e afastamento dos movimentos sociais, mesmo sendo defensora das teses do campo “Mensagem ao Partido”. A impressão que deixa é que a saraivada de otimismo “militante” e a disseminação de slogans do senso comum por movimentos “virtuais” são fragmentos temerários de ações com base oca, paradoxalmente fundadas em referências da filosofia contemporânea, como Antonio Negri, grande nome do pensamento marxista italiano.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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