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Juventude de Quem?

Temos a mania de falar na primeira pessoa: eu sou isso, eu sou aquilo. Ou ainda: eu fiz isso, eu fiz aquilo. Despertado por uma conversa gostosa com amigos neste final de semana, fiquei intrigado com o como nossa identidade não é necessariamente fruto de uma vivência singular. Em que pesem as experiências psíquicas mais íntimas, elas mesmas marcadas pelas relações com um outro, ou com outros outros, não há possibilidade alguma de que sejamos seres “sui generis”.

A construção de nosso eu em seus mais variados aspectos (ideológicos, estéticos, preferenciais, etc.) está perpassada pela adesão e identificação ou pela não aceitação dos modos de ser do outro. Como uma fase importantíssima de nossa vida pessoal, a juventude parece ser um agente catalizador desses entrecruzamentos culturais.

Nesta conversa do final de semana, que ocorreu na festa de aniversário de um dos meus maiores amigos, havia uma trilha sonora de fundo. Ouvindo as músicas e me dirigindo a uma outra grande amiga que estava presente, concordamos quanto ao como as nossas preferências musicais faziam todo sentido ao longo de nossa vida comum, como amigos. O repertório era do clube da esquina. Ouvir Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, parece quase uma obrigação entre nós, porque nos marca enquanto pessoas que se construíram juntas, apesar de todas as singularidades tão evidentes.

Da mesma forma, creio eu, as demais relações que estabelecemos com pessoas que entram na nossa vida em momentos diferentes, deveriam se pautar por esta perspectiva, na medida do possível. Não uma identificação pura, mas uma afinidade consciente, nos princípios, nos valores, nas causas. Relacionamentos amorosos, por exemplo, começam e terminam por falta de uma possível causa comum, uma unidade nada simbólica, mas efetiva, que promove o vínculo sem os apelos de um eu descentrado, se é que isso é possível.

Importante sentir, que depois de tantos anos de convivência, os amigos continuam conosco envolvidos, nas mesmas causas e sentimentos. Isso dá margem a pensar que a juventude, nossa linda juventude, aquela vivida faz algumas décadas, não é uma experiência nossa apenas. Há uma mística do amor fraterno que muitos alegam faltar nos dias atuais. Felizmente, não me incluo nesta situação, porque os meus amigos mais ternos e queridos, como o aniversariante de sábado, Ednilson Graciolli, são peças fundamentais na constituição do que sou. Que bom ter esses amigos e ouvir as mesmas músicas de sempre, do clube da esquina. Meu preferido sempre foi o Lô Borges.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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