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Legados Eternos

Peço desculpas ao leitor por me referir a experiências pessoais. Elas surgem apenas como referência para uma reflexão. Nas últimas semanas ocorreram várias perdas no meu universo familiar e de amizade. Um tio, um primo em segundo grau, um irmão de um tio e o pai de um amigo tiveram sua passagem para um outro plano. Situações que me puseram a pensar no que as pessoas deixam quando saem dessa vida.

Acredito que seria muita presunção de nossa parte, como filhos, nos identificarmos como bons legados de nossos pais. Nem sempre a educação que um pai confere a um filho obtém o resultado esperado. Mas nos casos citados acima, todos os filhos desses pais próximos são provas vivas de que os cidadãos simples e de bem, por vezes anônimos, deixam frutos para que a esperança numa humanidade melhor continue.

Não tenho certeza sobre isso, nem posso dizer que há provas científicas, muito menos desejo estabelecer comparações sem relação com a realidade que sustentem o que pensei por esses dias. As gerações dos anos 30, 40 e 50 estão nos deixando, ano a ano. No âmbito de uma sensibilidade apriorística, suspeito que a grande maioria dos pais que estão indo embora são provas vivas de que ainda há esperanças mesmo.

Não consigo deixar de perceber que esses homens trabalhadores próximos de mim, que foram embora, não deixaram seu legado. Seus filhos são de fato esse legado. Porque decência, honradez, caráter, integridade, singeleza de espírito, amorosidade, árdua luta para manter a vida por meio de trabalhos não muito sofisticados, atestam que deixaram sua marca.

Há de fato, muito exemplos contrários. Mas prefiro acreditar no que vejo com meus próprios olhos, pela minha experiência sensível. Ao me relacionar com meus primos e amigos que perderam os pais recentemente, vejo neles sinais de que vale a pena estar vivo e que a morte não é nada, a não ser um mergulho na vida, uma continuidade permanente nas experiências que são deixadas pelos que vão, para que continuemos disseminando-as pela memória.
As dores são enormes, porque a presença física ainda nos marca como seres humanos. Esse fardo da perda física nos atormenta demais, assim como os desdobramentos psíquicos da construção de nossa personalidade pelos que nos criaram. Mas há construções contínuas de nós mesmos, inclusive pela experiência da passagem de quem amamos, nessas perdas, que devemos admitir como uma verdade plena. Estamos em construção e enquanto há vida há esperança.

Não poderia deixar de lado esse registro, dedicando estas palavras carinhosas para meu primo Ricardo Polli e seus irmãos, para todos os filhos do meu tio José Spina, para o filho de Firmino Fróes, irmão de meu tio Adunírio e para um dos meus grandes amigos e irmão de fé, Jean Camoleze. Como costumo dizer, no âmbito de minha fé cristã, o pai de toda consolação haverá de providenciar seus devidos consolos.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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