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Lições para Comunicação

Não escondo minha predileção por um dos filósofos mais importantes da crítica da modernidade, Nietzsche. Muitos de seus aforismos se relacionam às práticas cotidianas mais elementares, incluindo, evidentemente, as que se referem à pequenez do espírito humano, longe, muito longe de atingir o conceito de além do homem, que ele propunha. Por mais que tentemos estabelecer vínculos de comunicação razoáveis, nos quais imperem a compreensão e o entendimento, há aqueles que preferem tirar suas conclusões sempre apressadas, fruto da intolerância.

Em duas obras importantes desse ícone da filosofia encontramos algumas das expressões que justificam essa realidade. Em “Além do bem e do mal” ele afirma que “Em condições de paz o homem belicoso engalfinha-se consigo mesmo.” Ou seja, as sombras são seus inimigos mais evidentes, já que qualquer um pode ser uma ameaça. Estes são – como atesta o pensador na mesma obra -, aqueles a quem ele chama “delicadamente” de monstros: “Quem deve enfrentar monstros deve permanecer atento para não se tornar também um monstro. Se olhares demasiado tempo dentro de um abismo, o abismo acabará por olhar dentro de ti.” Se tudo são perdas e problemas, morremos afogados em sua alimentação.

Na falta de delicadeza e de generosidade, que não fluem do nada, mas são traços de caráter e de vida ética que se constroem com o tempo, o apelo a ofensas, ódios e ameaças surge como recurso dos fracos. Porque também nada mais são do que loucos. E a loucura nem sempre é própria dos indivíduos, mas resulta do comportamento de massa, de grupo, que tem a tendência de despersonalizar os sujeitos: “A loucura é muito rara em indivíduos – nos grupos, nos partidos, nos povos, na época – essa é a regra.” Podemos aí incluir outros tipos de instituições.

A alimentação constante do dissenso e da discórdia, em nome de supostos interesses coletivos e da defesa de direitos, muitas vezes encobre a incapacidade de ver que há sempre aspectos interessantes na vida e no mundo. Mas apenas quem vive da cordialidade e do respeito e não de ataques e achaques, pode compreender essa máxima, expressa na segunda obra de referência, “Genealogia da Moral”: “Quanto sangue e quanto horror há no fundo de todas as ‘coisas boas‘.” Uma frase com sentido dúbio, mas que pode se tornar claro, porque se por um lado nem todas as coisas aparentemente boas são boas, por outro, a incapacidade de reconhecer as coisas boas e querer tirar vantagem de obras que não são nossas descaracteriza o que de fato é bem intencionado e bom. Entraves da comunicação à parte, temos de insistir e manter a compostura, já que a incomunicação não interessa aos que devem dar exemplo, especialmente educadores.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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