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Muda ou Não Muda

Numa recente e divertidíssima publicação da Editora Claro Enigma (O Planeta dos sábios), o filósofo francês Charles Pépin, em parceria com o cartunista Jul (Julien Berjeaut), apresenta cada um dos principais pensadores, desde a Grécia antiga, em situações muito cômicas. Um dos primeiros é Heráclito de Éfeso. Na sua respectiva tirinha, Heráclito fica indeciso entre mergulhar ou não num rio. Evidente referência à sua máxima: “nunca entramos duas vezes no mesmo rio”. Referendando a ideia de que tudo é movimento e mudança, Heráclito enfrenta um contemporâneo, Parmênides de Eleia, para quem a verdade é una e imóvel.

Afinal, tudo flui ou a essência e a permanência são características da existência? Perguntas bastante atuais. Em clima de desconfiança quanto ao fato da inevitabilidade da mudança na história, boa parte das pessoas, reproduzindo a lógica linear de uma narrativa centrada nos feitos das lideranças, pensa a possibilidade de transformações a partir do empunhar de espadas por parte destas. O líder, como um semideus, seja de qual espectro ideológico for, será aquele que promoverá a rearticulação dos processos.

Ao longo da história do pensamento, o aparente antagonismo entre mudança e permanência foi se materializando também na prática. Em períodos de longa duração, a permanência de certos pressupostos ideológicos levou a acreditar que não há mudança na história. A realidade estática, como um atributo divino, na Idade Média, por exemplo, parecia algo inquestionável. Mas nos subterrâneos da experiência social, muito dessa aparente realidade se diluía em fluidez e resistência. E como dizia um dos nossos principais intelectuais, Milton Santos, “o futuro são muitos.”

Há quem pense ainda que mudanças nunca ocorrem. Esses são os que perderam o bonde da história. Outros acreditam que elas virão de cima para baixo. Paulo Freire insistia numa mudança a partir dos debaixo. Que nos perdoem os técnicos, especialistas, burocratas, competentes senhores e senhoras do legalismo, das soluções empresariais mirabolantes, da política com “p” minúsculo (essa, institucional). Mudança vem pela práxis transformadora, que só se forja numa história pessoal e coletiva de lutas. A cegueira de muitos está justamente na reprodução constante da perspectiva estática. Falta articulação a partir dos debaixo. A simples lógica das estratégias funcionalistas do sistema político institucional não garante nada.

Na minha modesta opinião, os técnicos e líderes devem ser os primeiros a mergulhar na leitura e reaprender a ver com os olhos ternos, mas sérios, irônicos e desconfiados da filosofia, já que o mundo não é, ele apenas está sendo. Poderiam começar pelo livro de Pépin.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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