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Mudar ou não mudar?

O ceticismo filosófico, doutrina fundada por Pirro no século IV A.C. e difundida por Sexto Empírico como uma forma de creditar à dúvida uma sabedoria fundada na argumentação constante¸ fez escola por toda a tradição filosófica do ocidente. Grandes nomes do pensamento moderno e contemporâneo, como Descartes, Nietzsche, Derrida, Habermas, são devedores dessa escola de pensamento. A palavra “skeptikos”, em grego, significa exatamente a capacidade de examinar. É preciso convir que trata-se de um débito em nossa cultura. Como examinamos nosso presente, nosso passado e nosso futuro? Estamos incrédulos ou crentes? Confiamos na capacidade de mudança ou estamos conformados com a “realidade”. A incredulidade não é uma virtude?

Quem examina, sabe que tudo deve estar sob suspeita. Não que não se deva acreditar em devires. Mas nem sempre a realidade muda. Como indica Marilena Chauí em uma de suas importantes obras (Conformismo e resistência), nem sempre o desejo “dos de baixo” (os resistentes) sobressai aos interesses dos “de cima” (os conformados).

Conformismo tem relação com medo da mudança, falta de coragem, adaptação aos fatos, pragmatismo de escolhas, falta de utopias compartilhadas, servilismo ideológico aos ditames do conservadorismo. O centralismo do jogo decisório impede que as mudanças ocorram, em grande medida, a partir de interesses mais gerais e democráticos. A resistência, por vezes, tem mais que ver com o ceticismo como método de vida, não só com luta social prática. Duvidar é resistir, não compactuar. Claro, faz-se necessário agir, mas a ação depende, como reza o bom pensamento ético, de uma intenção justa e verdadeira, nem sempre coletiva. Ironicamente, desejamos o que não temos capacidade de realizar.

O tempo cronológico, pensado milimetricamente, é a capacidade de empurrar as quimeras para o depois. A existência concreta se faz premente no agora. Mas quem não desconfia da própria razão não pode encontrar uma boa razão para a mudança. O ativismo desenfreado pode servir ao conformismo.

Henry Bergson, um dos maiores filósofos franceses de todos os tempos, opôs a razão à intuição. Sob os efeitos da intuição o tempo se faz mais significativo. Há momentos de intenso prazer em longos períodos de tempo, que parecem durar segundos. Assim como há momentos de curtos períodos de tempo que parecem durar uma eternidade. São enfadonhos. O peso do tempo está na subjetividade. A capacidade de mudar depende da percepção subjetiva do tempo, não como um depois, mas como um “já vivido”. Nem esperar demais, nem se afobar demais. Nem se conformar, nem querer dar o tom. A mudança precisa ser compartilhada intersubjetivamente.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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