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Novas Relações

É bem verdade que vivemos tempos difíceis, sobretudo para a comunicação entre pessoas. As vaidades e as agressividades tomam corpo e, como características da irracionalidade, suplantam em nós o desejo para o bem querer.

No entanto, apesar de a maré não estar para peixe, encontramos ainda lampejos de civilidade entre os diferentes. Tem momentos em que parece que nossos mais diferentes são até mais próximos da gente do que aqueles a quem supomos nossos iguais, não é mesmo? Tentar compreender que traços ideológicos e culturais nos separam, mas não necessariamente deveriam ser motivo para guerras sem fim, talvez fosse uma boa tarefa. Como temos perdido as referências mínimas da “boa educação”, nos embrenhamos em maldades e desejos de aniquilação. Tenho percebido, portanto, que os supostos iguais são nossos verdadeiros algozes. Basta uma palavra, um gesto, está posta a desconfiança, a arquitetura do mal.

Engraçado, então, receber afeto e consideração pelo que somos como pessoas, mais do que por aquilo que pensamos, de alguns de nossos “diferentes” ideológicos. Engraçado sentir que isso vem por uma veia espiritual. Empatias não são construídas do nada, dependem de muitos fatores. Eu gosto de pensar que esses tais opostos ideológicos são mais verdadeiros, até.

Dormir com o inimigo ao lado é mais perigoso, sobretudo quando este inimigo é um suposto amigo. Sempre considerei nossa cidade muito conservadora, mas de uns tempos para cá, entendo que o desejo por novas relações, que ultrapassem os limites das formas de pensar opostas, têm sido favorecidas.

Encontro com gente que não é do meu círculo de amizades e que me trata muito bem. Procuro retribuir com a mesma reverência e respeito. Foi assim no último final de semana, na Feira da Amizade, quando me deparei com várias pessoas interessantes e não amigas, mas que vieram ao meu encontro com sorriso largo, me procurar, dar um abraço e bater um papinho.

Tenho fé na humanidade, por isso sou um freireano. Paulo Freire, o educador que “vivia no mundo da lua” e que “não foi um bom secretário de educação, na prática”, cala em meu espírito como nunca alguém de referência teórica calou. Sou grato, portanto, que seu humanismo crítico esteja posto nesta verdade intelectual: defender o direito inalienável à opinião fundamentada, mas nunca perder de vista o gesto amoroso.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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