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O Aceno Histórico

Para quem dedicou a carreira toda trabalhando como professor de história, não é fácil se deparar, todos os dias, com a tarefa de argumentar sobre a importância desta área do conhecimento. Perpassada por compreensões desenraizadas e fantasiosas, que servem a determinadas finalidades sociais e políticas, a experiência cotidiana compassada, segue independente do que com ela fazem os seus intérpretes. Com a altivez da defesa da independência crítica, Nietzsche profetizava que não existem fatos, somente interpretações.

As ciências, de modo geral, vêm passando por uma depuração em suas bases cientificistas, que supunham (e ainda supõem) o poder de tudo explicar. E qual o papel da ciência histórica? Como diz meu pai, “que apito ela toca”? Difícil determinar, precisar com rigorismo. Os historiadores são intérpretes precários e dedicados das relações entre o outrora vivido, o que se vive e o que se viverá. Particularmente defendo que a história é o estudo do presente. Não faz sentido reproduzir, reconstituir o passado por ele mesmo. Nem faz sentido imaginar um futuro sem os pés no chão do presente. Historiadores são profissionais da análise sobre o presente.

Uma ponte, como a “Ponte Torta”, recém entregue após ser recuperada, não representa exatamente “um investimento perdido que poderia ser aplicado em outras áreas”, porque as outras áreas são o que são devido aos processos históricos longos, densos, complexos. Se não entendermos estes processos, babau. Engraçado também as manifestação solitárias, tão justas e cheias de razão, descoladas dessa compreensão maior do que significa a história de uma cidade e todas as suas demandas. A cidade pensada a partir de um de seus marcos monumentais (nem mais, nem menos importante do que outros), tomado como expressão de uma sociedade melhor, celebra esse futuro possível.

Como cidadão fico perplexo com o comportamento de alguns que se julgam mais justos e comprometidos com os pobres, como se outros cidadãos não tivessem em sua trajetória um compromisso de lutas com os menos favorecidos. Mas como historiador e profissional das ideias, compreendo que esta dinâmica do confronto de posições é, ela mesma, fruto dos processos históricos mal resolvidos da democracia brasileira. O importante é nos mantermos com serenidade nos princípios que nos movem, historiadores ou não, pensando possibilidades para um futuro (quem sabe não tão distante), onde as disparidades sociais sejam arremessadas ao lixo, assim como o nossa incapacidade para a comunicação qualificada. Tenho certeza, como historiador, que chegaremos lá um dia.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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