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O Exorcismo

Um filme clássico, estrelado por meu ator preferido, Max Von Sydow, o principal de Ingmar Bergman. Trata-se do roteiro de William Peter Blatty, que se transformou no grande sucesso de bilheteria, “O Exorcista”. Uma menina possuída pelo demônio, mas que antes de seu diagnóstico final, religioso, passou pelas mãos de médicos que, no contexto do início dos anos 70, achavam temeroso encaminhar crianças para psiquiatras.

O pré-diagnóstico foi classificado como “distúrbio” de comportamento, típico da adolescência. Receita? Ritalina, a solução para todos os males do infortúnio moral. Hoje, profissionais da medicina sem a menor noção dos problemas de socialização que ocorrem no universo escolar se predispõem a reforçar a indústria dos diagnósticos, sem critérios claros para definir o que é tido como “patológico”. Muitas vezes, o comportamento esperado para certas condições da infância e adolescência passa a ser visto como anormalidade.

Para tanto, muitos “educadores” de formação questionável recorrem aos “especialistas” em medicalização, considerados aptos para dizer o que deve e o que não ser administrado, caso a caso, segundo critérios do mundo da “ciência médica”. O Conselho Federal de Psicologia coloca sob suspeita, a partir de estudos internacionais relevantes, a validade de diagnósticos e profilaxias propostas por especialistas da medicina que, isoladamente, pensam possuir autoridade suficiente, sem respaldos holísticos de outras áreas do conhecimento, para avaliar casos que podem ser tratados, especialmente nas escolas, como simples questões de adaptação social e distorções de conviviabilidade.
No entanto, mesmo na medicina, há eminentes especialistas das questões médicas da infância que questionam classificações e metodologias que acentuam quadros patológicos inexistentes e profilaxias pautadas pelo crivo cientificista, sem embasamentos filosóficos, pedagógicos e das ciências sociais.

Pobrezas conceituais à parte, mesmo que consideremos a necessidade de medicalização para casos em que realmente as profilaxias são necessárias, há que se questionar a bestialização do discurso, o simplismo conceitual dos “técnicos” em “educação especial” que, ao contrário de reforçar a necessidade do questionamento do tratamento de choque, medicalista, ajudam a reproduzir a ideia falsa de que crianças, merecedoras de respeito e atenção amorosa, devem ser tratadas como objetos inertes, passíveis de ações abjetas, sem conteúdo propedêutico na pedagogia.

Infelizmente, há um exorcismo de racionalidade que precisa ser praticado por aqueles que, inseridos nas fileiras da esperança pedagógica, ainda apostam na fé no conhecimento.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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