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O Pacifista

Poucos são aqueles cujo reconhecimento público se dá pela qualidade de cultivar a paz. Em 1993, um nordestino famoso e respeitado em todo mundo foi indicado para o prêmio Nobel da Paz. Era Paulo Freire. Em vida, ele vivia pela defesa da chamada ética universal do ser humano, que entre outros valores fundamentais, tem a cultura da paz como expressão principal.

Freire não era um pensador de pensamento único. Quem não o lê não entende essa verdade. Os que o seguem frequentemente são identificados a partir dessa mesma falácia.

Se assim fosse, sua própria teoria estaria sendo negada, já que defendia a abertura para os diferentes olhares sobre a realidade. Inicialmente influenciado pela vertente liberal, que determinou os valores educacionais que predominam até hoje no discurso educacional (educação pública, laica e universal), bebeu da fonte das influências de John Dewey sobre o manifesto dos pioneiros da educação nova.

Posteriormente, devido à sua identificação com o cristianismo, adotou parte das ideias do personalismo cristão de Emmanuel Mounier. Também se apropriou de parte das ideias do existencialismo e do marxismo, mas no fim da vida aproximou-se dos teóricos da teoria crítica, especialmente Habermas, este último um gigante da filosofia contemporânea.

Freire tinha entre seus amigos vários expoentes do pensamento brasileiro, como Darcy Ribeiro, com quem não compartilhava sempre as mesmas opiniões. Mas isto é que torna um pensador como teórico de grande envergadura, o estar aberto a dialogar com aqueles que não comungam de todas as impressões.

É celebre um diálogo com Ribeiro em que Freire defende ser mais cristão que marxista. No entanto, era cônscio da dificuldade em dialogar com os antagônicos. Dialogava com quem possuía abertura para a ação dialógica. Grande lição para o momento presente, quando vivemos tempos de incomunicação e radicalismos ideológicos não fundamentados. Muitos falam, mas nem todos com propriedade. Por conta destes radicalismos, Freire foi e é vítima de muitos ataques. Mas a qualidade de pacifista prevalecia, porque nunca respondia aos ataques.

Frequentemente o identificam com muita coisa que ele não é. Não se furtava a tecer críticas a expressões de pensamento supérfluas, mas não reagia aos achincalhes. No próximo dia 02 de maio completam-se 19 anos de seu passamento, mas suas ideias ainda estão presentes, como utopias e como realidade prática. Estão presentes por se constituírem um arcabouço teórico aberto e sustentado na ideia da paz, sem a qual não é possível conviver socialmente.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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