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O Retorno

Uma das mais belas páginas da história da filosofia foi escrita por Nietzsche ao conceber a ideia do eterno retorno. Associado a este postulado está o conceito de “além do homem”, que supõe a possibilidade infinda da luta por refazer-nos constantemente e deixarmos como legado, no retorno, um ser melhor do que somos.

A crise de esperança pela qual estamos passando nos últimos tempos, tem provocado desvirtuamentos os mais variados. Um dos que mais me angustia é a vontade de aniquilamento do outro. O ódio de todos os matizes, verificamos no cotidiano, sobretudo agora, num contexto em que as novas mídias proporcionam o “livre pensamento” quase que instantaneamente aos fatos. São ódios políticos, religiosos, de gênero, sexuais, raciais, de classe.

Nesta semana encontrei-me novamente com minhas origens. Estive com prazer participando de um evento promovido pela igreja católica. Conversei alguns instantes com Dom Vicente Costa, bispo diocesano de Jundiaí. Foram poucas palavras, mas que fizeram reviver em mim uma das bases de minha existência, que provém do cristianismo e do pensamento de meu mestre, Paulo Freire: a esperança.

Sem esperança não há como viver. E se há esperança haverá retorno. Sim, o processo histórico está sempre aberto. Se há sofrimentos, perseguições de todos os tipos, olhares a postos para crucificar, por qual razão temer? A glorificação do eu, num mundo cheio de narcisismos, reforça o espírito da competição, velada ou não. Vence o espírito não gregário? Onde ele nos levará? Por querer provar alguma coisa? Por que a diferença se faz mais importante que a unidade?

Em todo o tecido social verificamos, como diz Sigmund Bauman, a prontidão para deletar os mesmos amigos que adicionamos em uma página de relacionamentos momentos antes. Motivos? Os de sempre. Incompreensões, desejo tanatico de destruir com palavras e ações. Para os que se dizem cristãos, parece-me uma contradição. Somos cristãos de carteirinha, mas estamos prontos para denegrir a imagem de um colega de outra agremiação política. Não que não possamos e não devamos desenvolver o gosto pela crítica. No entanto, sempre que pessoalizamos ataques, perdemos a razão ética.

Tenho esperança, no retorno efêmero e circunstancial às minhas origens, em aprimorar minha percepção sobre mim mesmo, para que a honestidade de meus princípios esteja sempre em primeiro lugar e não seja nunca esquecida. Para que nunca mais eu me perca em ataques e sempre enalteça virtudes. Não desejo me apequenar. Mesmo assim, não há pactos com o mal dizer, não há tréguas, não há disposição para relevar em mim e nos outros a impossibilidade do além do homem.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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