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Os Silêncios

Em sua última entrevista, Paulo Freire falava de sua experiência como preso numa cela em Recife, após o golpe militar de 1964. Argumentava sobre os tipos de silêncio. O silêncio do silenciado, que não é ético, porque imposto, e o silêncio do silencioso, que aceita silenciar como condição necessária em determinadas ocasiões da vida.

Há outros usos e formas de silenciar, que servem para outras finalidades. Alguns silenciam porque não têm nada a dizer e outros porque desconfiam de quem ouve. Os primeiros assustam, não sabem dialogar, argumentar, são frágeis do ponto de vista da reflexão. Os que silenciam por desconfiar do interlocutor são muito perigosos, porque não acreditam na sinceridade, na possibilidade de construir percepções em conjunto e julgam seus saberes melhores que os saberes dos outros. Por essa razão, imaginam não ser necessário revelar o que pensam. Agem à surdina, mas são traídos pela sinestesia, pelas práticas, pelos valores que manifestam.
Como diz um velho provérbio árabe, mais sábio é aquele que fala por último, tendo ouvido todos os outros primeiro. Existem pessoas com capacidade de ouvir primeiro, sem emitir opiniões de forma apressada. Para aceitar a fala do outro se faz necessário entender como ele pensa, suas razões, suas crenças. Nenhum processo educativo sobrevive sem a premissa do diálogo e da escuta. Somos ávidos defensores de ideias e opiniões, mas pouco abertos a escutar para pensar e refletir. Sobre tudo nos manifestamos. Trata-se de um mecanismo que deriva daquilo que muitos filósofos e sociólogos chamam de “razão instrumental”, uma razão que se fundamenta nela própria, sem considerar outros elementos de percepção, como sentimentos e emoções.

O silêncio sustentado em processos comunicativos abertos, fundados numa razão sensível, produz mais efeitos. Por vezes, quando estamos num processo de escuta, nem sempre ouvimos o que gostaríamos. Nem sempre nossas razões afinam com as razões alheias. Daí a necessidade ética da espera silenciosa. Não aquela na qual abrimos mão das próprias razões, mas a que se baseia no respeito ao outro. Sem a atitude silenciosa respeitosa, aparecem os desrespeitos, as confusões entre um agir para defesa de ideias e direitos e outro agir para prejudicar processos públicos que abrangem outros direitos, de outras pessoas, um deslize moral inaceitável.

A arrogância, tanto dos silenciosos quanto dos falastrões torna-se regra comum, conduta que se padroniza, em meio aos espontaneísmos sem fundamento e às pobres expressões do conhecimento.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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