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Para Além da Alegria

Apontada por muitos filósofos, de Aristóteles a Nietzsche, como o cerne da experiência vital, a alegria como motor da experiência humana, de fato, se constitui como grande mecanismo de compensação das intempéries da vida. Não é fácil conciliar o estado de alegria com nossos processos neuróticos, nossas desandadas nos trilhos da vida. Viver em alegria não significa desconsiderar o que não é agradável. Trata-se de, apesar de tudo, procurar e insistir em buscar um “algo mais” que possa fundamentar nossa luta diária por um sentido que nos aquiete. Não conseguiremos, evidentemente, sem recursos que estão para além de nossa humanidade.

As filosofias religiosas orientais indicaram, com grande propriedade, que o desapego e o enfrentamento dos sofrimentos, como uma aprendizagem em direção ao bem estar espiritual, são os meios mais adequados para “seguir em frente”. Os filósofos epicuristas gregos também contribuíram muito desmistificando esse fantasma que nos assombra, a morte, como nada mais do que decorrência natural do processo biológico. Findo esse processo, nada mais deverá nos preocupar, porque acaba a nossa consciência.

O cristianismo mistificador, desconsiderando que a vida concreta enseja a luta humana que não se encaixa no além vida, exacerbou de maneira perniciosa a crença em algo que não parece plausível, ou seja, o atingir desse “algo mais” sem passar pelo turbilhão concreto da existência, negando-o. Talvez por conta da influência platônica no pensamento agostiniano de origem, a mistificação ocupou o lugar da mística.

Além da alegria, penso que falta mística na experiência humana. Mas uma mística encarnada, aquela sensação de compaixão, cuidado e solidariedade que deveria nos mover em direção aos desalentos, para enfrentá-los com amenidade de espírito. O desespero que nos acomete todos os dias, advém desta falta de confiança nas forças da bondade universal, que precisamos recuperar. Não uma bondade enquanto misticismo, mas que está presente nas possibilidades humanas e além delas.

Uma vida alegre e confiante, assentada também – para aqueles que acreditam nessa bondade universal, a quem a maioria das pessoas chama de Deus – numa espiritualidade ou religiosidade consciente, que em muito nos ajudará a seguir em frente. A transcendência passa inevitavelmente pelas forças da fraternidade, o mundo das relações humanas. Ou optamos pela ajuda e cooperação mútuas, ou estaremos tomados pelo medo, pelas forças paralisadoras que nos atormentam diariamente.

Nossos gritos desesperados poderão ser substituídos por sorrisos conscientes e não alienados que nos indicam que, afinal, há muito por caminhar.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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