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Pensar e Agir

Como já preconizara Lenin, o esquerdismo é uma doença infantil do comunismo. Infantil porque, entre outros aspectos, como bem frisou Frei Betto em um recente artigo, acentua a reprodução constante de meia dúzia de besteiras que viram “racionalidades”. Uma dessas besteiras, já desmentida pela ciência, é que há uma separação entre pensar e agir. Para muitos militantes da esquerda, o pensar está em condição de deslocamento do agir e, por isso, o desprezam. Dizem que pensar é bom, mas só tem validade quando conectado a uma atividade prática. Nada mais redundante.

Freud já dizia que o pensamento é o ensaio da ação. Marx, ao criar o conceito de práxis, denunciou a lógica da filosofia tradicional, que se valia da pura abstração. Dewey, o grande educador e filósofo americano, afirmava que o pensamento não existe descolado da ação. Max Weber indicou que a ação social tem diferentes características e que nem toda ela é puramente prática.

Portanto, querer atribuir ao pensamento de alguém uma “falta de ação” é puro deslocamento epistemológico: o pensar de quem atribui é que carece de fundamento. A neurobiologia também está aí para comprovar que o pensamento é resultado de uma ação biológica. A ação do pensamento cria também, como está muito sedimentado na medicina e na psiquiatria, resultados psicossomáticos, doenças provocadas pela “mente” que “age”.

Boa parte de nossa aprendizagem, depende da ação mental, do pensar que se constitui como planejamento cerebral – que não é abstrato, diga-se de passagem. O córtex pré-motor, por exemplo, produz a aprendizagem motriz e a precisão do movimento. Os lobos occipitais aprimoram os estímulos visuais que dão o sentido de profundidade, cor, distância, etc. Os lobos temporais traduzem os estímulos auditivos e os lobos parietais, as sensações vindas pelo tato, a localização no tempo e o reconhecimento de objetos.

 Os filósofos, por fim, já demonstraram que todo pensamento é ação em si mesmo. Querer desvincular o pensar do agir, para fins de crítica à suposta abstração do pensar desconectado de finalidades sociais é puro simplismo conceitual. Se somos seres de ação, já que nossa própria condição física assim nos define, como poderíamos viver apenas pensando, sem agir? Talvez existam diferentes formas de agir. Agir sem pensar é que se constitui como grande problema, porque neste caso, predominam a passionalidade, a emotividade pura e simples (que não é de todo ruim) e o pragmatismo, que despertam, muitas vezes, a perda do sentido ético, quando da desvalorização do agir do outro, considerado menos importante porque “desconectado” da realidade.

 

José Renato Polli. Doutor em Filosofia da Educação (FEUSP). Filósofo, pedagogo e historiador.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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