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Razões do Desapego

Muitos buscam consolo e conforto para seus descompassos em várias e diferentes experiências religiosas. O misticismo, degeneração da mística, promove uma sensação falsa de que os problemas do cotidiano podem ser resolvidos com “reza brava”. Creio que há muitas possibilidades que podem ser encontradas na filosofia, na psicologia, além das sugestões válidas de ideias religiosas que ajudam a pensar a nossa mísera condição de dependência em relação à satisfação pessoal.

Do Budismo, tomado como referência inicial para esta reflexão, emanam indicações de como o apego pode provocar equívocos. Monja Coen, em um de seus artigos, diz que se alguém procura milagres no budismo, o milagre consiste em lavar seu próprio prato depois de comer. A prática do desapego em relação a tudo que nos oprime é uma premissa desta proposta espiritual. Desapego do egoísmo, do triunfo sobre os inimigos, da fama, dos elogios, dos percalços todos. A líder espiritual ainda sugere que “Se você quer alguém que perdoe suas falhas, deixando-o livre para errar de novo, não procure o Budismo, pois ele lhe ensinará a implacável Lei de Causa e Efeito e a necessidade de uma autocrítica consciente e profunda.”

As causas das dores e sofrimentos, portanto, estão mais relacionadas ao apego a condições, sentimentos e ideias: infelicidade, tensão, teimosia, tristeza, presunção de importância. Uma velha história fala de um diálogo entre um mestre e um discípulo. O mestre ensinara que nunca o discípulo deveria tocar uma mulher. Deparando-se com uma moça em apuros ao tentar atravessar um rio, o mestre a ajudou, carregando-a. O discípulo, confuso, perguntou por qual motivo ele teria feito isso, uma vez que antes dissera que não se deveria tocar uma mulher. O mestre responde que ele apenas ajudou a moça a atravessar o rio, enquanto o discípulo ainda a estava carregando.

O apego nos faz remoer situações, movimentar sentimentos como mágoas e ressentimentos, provocar intrigas e disputas, levar muito a sério as intempéries da vida, sujeitando-nos a elas como se fossem centrais no nosso caminhar. Isso não significa ignorar a existência dos dissabores, críticas, afetamentos, mas aceita-los com naturalidade.

Uma síntese desta orientação pode ser encontrada no dizer evangélico: “não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará suas próprias preocupações.” Qualquer medo, de qualquer natureza, não será curado, como o pavor aos inimigos, como se apregoava com o velho dístico em latim: “per signum crucis, de inimicis nostris libera-nos Deus noster”, mas como muita reflexão.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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