Home / Educação / Tempos de Incomunicação

Tempos de Incomunicação

Os educadores em geral têm se deparado com a dificuldade de promover espaços de comunicação em sala de aula. Em parte devido aos problemas relativos às falhas no processo de domínio instrumental do conhecimento, em parte por conta da falta de cultura para o diálogo nas escolas. Infelizmente vivemos tempos de silêncio, mas um silêncio que nos é imposto pelas versões prontas sobre a realidade, um silêncio da falta de reflexão. Mesmo no âmbito das universidades, encontramos situações gritantes de barulho infernal, aliado do silêncio imposto e não correspondente ao silêncio necessário para se saber o que se sabe.

A decorrência fatal da fala que não é falada, do silêncio dos silenciados pela ignorância publicitária, pelas verdades impostas, infelizmente é a falta de comunicação. Parece não haver muitas alternativas entre a fala que não é ouvida, por um lado, e a fala que pretende ser ouvida, por outro. Ou seja, em algumas situações conseguimos falar, mas não comunicar. O problema do fechamento ao saber do outro emerge como algo concreto, já que somos tentados, pelos valores que assumimos sem pensar, a entender que nossa subjetividade nos basta. Eis o problema fulcral da sociedade capitalista: o individualismo egoísta. Todos nós temos soluções que imaginamos únicas, para problemas que se constituem de forma complexa.

Há que cultivar um desapego às ideias. Não se trata de abrir mão de princípios, mas colocar-se em posição de despojamento primário, caso contrário, o diálogo e a comunicação não acontecem. Há muitas formas de cercear o debate, uma delas é a burocracia. Não que não devamos ser organizados nos processos de comunicação, mas seguir regras obtusas pode contribuir para não levar em conta a percepção do outro, em seus detalhes mais profundos, por vezes fora do mundo da razão pura e simples.

Acusamo-nos mutuamente de não conseguirmos ouvir um ao outro e perdemos o fio condutor da razão dialógica: o respeito mútuo. Recaímos, em nome de nossas verdades, numa razão instrumental controladora, definidora do que deveria ser a percepção do outro. Na sala de aula essa realidade é muito comum quando, desatentos à percepção dos educandos, deixamos de fomentar a dúvida e a curiosidade. Eis um problema ético: ao julgar que o outro não está qualificado ou que se encontra fechado para minhas percepções, acabo por considerá-lo inapto. Como conciliar, enfim, a necessidade do respeito às diferenças, propalado princípio ético da contemporaneidade, com o dever de enunciar o saber que sabemos? A resposta dependerá do grau de humildade de cada um.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

Check Also

UMA PROFESSORA SUBLIME

Meu querido amigo e mestre, professor César Nunes, sempre se refere a uma frase de …

Deixe uma resposta