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A Construção do Saber

Um amigo colocou-me uma questão durante a semana, que para ele parece uma contradição em meu discurso educacional: como posso defender uma visão construtivista em educação e renegar o fato de que fui alfabetizado por uma cartilha? Parece-me haver um grande equívoco que se propaga, uma distorção sobre o que é o construtivismo. Gosto sempre de lembrar o que o professor Lino de Macedo nos adverte, que nem devemos utilizar o termo “construtivismo”, mas sim “construção”.

Todas as teorias educacionais contemporâneas que bebem na fonte inicial do pensamento piagetiano são tidas como construtivistas, mas há um leque imenso de tendências que se encaixam nesta concepção. Nunca negaram a dimensão instrumental do saber. Não escondo minha predileção pela Pedagogia da Libertação de Paulo Freire.

A construção do conhecimento, para Freire, é um processo contínuo de participação de todos os agentes educativos no compartilhamento do saber já sabido e no saber que se produz, tendo como finalidade libertar socialmente, politicamente. Os significantes são menos importantes que o significado, a cartilha é menos importante que o saber, a conscientização mais necessária que o domínio das letras.

Minha geração foi educada num contexto de ditadura militar, através de uma pedagogia tecnicista, que via a formação escolar como preparação para o exercício profissional. A fonte primária do tecnicismo se sustenta na famosa Teoria do Capital Humano. No que se refere a uma formação instrumental, fomos bem, mas tratava-se de uma educação manca. Faltavam dimensões importantes para a formação integral: a política e a ética.

Por sorte, aproveitamos a oportunidade de participação em outros espaços sociais, como a igreja, o sindicato e o partido político, para compensar o que os militares nos negavam: o direito à opinião livre. É uma obrigação do educador democrático fomentar e defender a opinião livre. Livre de amarras de todo tipo, institucionais, ideológicas, livre da falta de liberdade, como ocorria durante a ditadura, livre do enclausuramento nos conceitos e domínios instrumentais.

Aprendíamos muito francês, muito inglês, muita música, muito desenho geométrico, devido ao empenho dos excelentes professores que tivemos – alguns obrigados a esconder suas próprias convicções pessoais. No entanto, o gosto pela liberdade política, a consciência de que podemos ajudar a mudar o mundo ensinando sem as amarras de uma cartilha, desenvolvi quando me tornei educador pelas mãos de professores que sofreram a tortura, a vigilância e o desprezo intelectual.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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