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Meio Século de Vida

Não é sempre que a gente chega aos cinquenta anos. Só uma vez na vida e olha lá. Por sorte, deixando de lado a sisudez habitual de minha reflexão. O saldo foi muito positivo, devo declarar previamente. Apesar de sermos empurrados cotidianamente para um lá na frente que não chega nunca, eis que chego ao quase inacessível dos idos da infância. Comemoro, em primeiro lugar, a experiência de estar vivo, ainda. Só tenho a agradecer ao inusitado do plano cósmico, porque, afinal, sobrevivi até agora escorregando pelos borrões do rascunho.

Uma derrapada aqui, outra acolá, mas sempre em frente. As angústias, as frustrações, as decepções, tudo contribuindo para que o rascunho continuasse a ser rascunhado. As limitações inevitáveis vão aparecendo no joelho, nas costas, nas dores de cabeça, na estafa, no stress que vira gastrite, não tem como fugir.

De expectativas ainda estou cheio, porque sem fantasia não dá. Nada que seja ingênuo ou insensível à realidade, ela mesma invisível aos olhos e escondida sabe lá Deus onde. Família especial, com direito a irmãos e pais maravilhosos. Ah, tem também a sobrinha, os cunhados e as cunhadas, não posso esquecer, porque eles me cobram. Cômico e menos trágico, dinâmico e mais exausto, sereno e menos fatídico, realista e menos implacável com minha imaginação. Sim, tem também a rinite, faz parte do pacote.

Como diz o Chico (o Buarque), “que também sem um cigarro ninguém segura esse rojão”. Prefiro o violão, ou pode ser a viola mesmo. Mágoas? Nenhuma mais. Desacertos? Imprescindíveis para um educador, senão quem aprenderia?

Tem também esse problema do envelhecimento precoce. Chegar aos cinquenta é quase uma morte, concordam? Alguns me dizem que “ainda estou inteiro”, ou quase isso, claro. Por falar em velhice, é duro envelhecer no Brasil. A gente descobre que já tem tempo suficiente de contribuição para aposentadoria, mas o nosso valor como trabalhador, cerca de 75% ou mais anos da nossa vida aplicada nos fundos da previdência, ainda são insuficientes. Dizem que somos jovens demais. E o ócio? Nossa, quase me esqueci, ninguém pode trabalhar com prazer, porque afinal de contas, seria o cúmulo da contradição: o capitalismo nos faria bem.

Fico no agrado com o que tenho e com o que consegui fazer de mim até aqui. Peço desculpas aos que me suportaram, afinal, tem horas em que a gente fica insuportável mesmo, nem a gente se aguenta de tanta depressão.E São Pedro que espere mais.. Puxa, nem sei se vou prá lá. Presunçoso não.

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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