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Trabalhe e Vencerás

Quando eu era menino, visitávamos sempre a casa de meus tios. Lembro-me como se fosse hoje de uma plaquinha que ficava sobre a televisão com os dizeres: “hei de vencer!” Típica expressão do senso comum, sem fundamento racional. É como se disséssemos: trabalhe e ficarás rico. Nada mais falso e enganoso, já que a mais valia é fruto da exploração do trabalho. Portanto, impossível alguém vencer ou enriquecer através do trabalho, já que este é a base da exploração.

Não que não seja possível, para alguns, poucos, ascender socialmente através de uma atividade laboral, fruto de esforço pessoal. Mas não se trata da regra. Alias, no caso brasileiro, a maioria dos trabalhadores vive com módicos padrões de renda, o que nunca lhes conferirá algum poder de mudança na escala social. Eis que somos surpreendidos, mais uma vez, como já acontecera na gestão de Fernando Henrique Cardoso, com a notícia de que o governo federal estuda medidas para mudar o regime de aposentadoria.

A imprensa diz que a proposta em estudo é trocar o atual mecanismo do fator previdenciário por uma idade mínima de 60 anos de idade, quando o trabalhador poderia aposentar por valores, digamos, mais integrais. Com apoio das centrais sindicais, dizem. Até lá, o que será dos que, após 35 anos de contribuição, não atingiram os 60 anos e esperavam aposentar depois de tantos anos trabalhados?

[quote] Até lá, o que será dos que, após 35 anos de contribuição, não atingiram os 60 anos e esperavam aposentar depois de tantos anos trabalhados?
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Transitarão de forma gradual para o novo modelo? Nada se sabe, apenas que haverá alguma mudança e que ela será discutida a partir de agosto próximo. Salta aos olhos, neste problema de ordem política, a estratégia neoliberal, capitaneada por um partido que outrora se intitulava defensor dos trabalhadores, que muda as regras do jogo, direitos adquiridos, por conta da necessidade, sempre ela, de cobrir o rombo da previdência, com o custo social da perda de referências de segurança no trabalho.

Desta forma, se antes não haveríamos de vencer trabalhando, agora muito menos. Nos anos 90 o discurso era que o trabalhador se aposentava muito cedo (não se sabe exatamente quem definia o que era cedo, já que trabalhar 35 anos, diga-se de passagem, não parece nada cedo). Agora o que se alega? Que é mais cedo ainda? Sim, dirão, a expectativa de vida aumentou, portanto, trabalhemos mais.

Por que não desfrutar mais? A vida é feita apenas de trabalho? Se ele “dignifica o homem” o que uma vida mais digna, depois de cumprida a missão de trabalho, não faria? O que dizer, por fim, dos milhares de jovens que ingressam agora, mais tarde, no mercado de trabalho? Quantos anos terão ao se aposentar, se é que ainda estarão vivos?

Sobre José Renato Polli

Filósofo, Historiador e Pedagogo. Doutor em Educação (FEUSP). Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP), Pós-doutor em Estudos Interdisciplinares (CEIS20-Universidade de Coimbra). Atualmente é Professor Adjunto Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Sorocaba e Professor Colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação (PAIDEIA) e Editor Adjunto da Revista Filosofia e Educação (ambos da Faculdade de Educação da Unicamp). Editor responsável pela Editora Fibra e Consultor Educacional. Autor de 32 livros nas áreas de Filosofia, História e Educação, crônicas e literatura infanto-juvenil.

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